A recente consolidação do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os efeitos da aposentadoria voluntária pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) na relação funcional dos servidores municipais trouxe importantes reflexos para a Administração Pública. O tema, que ganhou destaque após a Emenda Constitucional (EC) 103/2019 e os julgamentos dos Recursos Extraordinários 655283 (Tema 606) e 1302501 (Tema 1150), exige atenção especial dos municípios, sobretudo diante de situações envolvendo servidores já reintegrados por decisão judicial transitada em julgado antes da mudança de entendimento do STF.
O que mudou com a EC 103/2019 e os Temas 606 e 1150 do STF?
A EC 103/2019 incluiu o §14 ao art. 37 da Constituição Federal (CF), determinando que a aposentadoria concedida com tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive pelo RGPS, acarreta o rompimento do vínculo que gerou esse tempo de contribuição. Ou seja, o servidor que se aposenta pelo RGPS, utilizando tempo de serviço público, deve ser desligado do cargo.
O STF, ao julgar o Tema 606, consolidou que a concessão de aposentadoria aos empregados públicos inviabiliza a permanência no emprego, salvo para aposentadorias concedidas pelo RGPS até a entrada em vigor da EC 103/2019. Já no Tema 1150, ficou definido que o servidor público estatutário aposentado pelo RGPS, havendo previsão de vacância do cargo em lei local, não tem direito à reintegração ou manutenção no cargo, por violação à regra do concurso público e à impossibilidade de acumulação de proventos e remuneração.
E os servidores já reintegrados por decisão judicial anterior?
Aqui reside uma das maiores dúvidas enfrentadas pelos municípios: é possível promover novo desligamento de servidores que foram reintegrados por decisão judicial transitada em julgado antes da mudança de entendimento do STF? E, caso não seja possível, cabe ação rescisória para desconstituir essa decisão?
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) tem reiteradamente decidido que, nesses casos, não há coisa julgada inconstitucional que autorize novo desligamento do servidor. O entendimento é que, à época do trânsito em julgado da decisão que determinou a reintegração, o próprio STF tinha posição favorável à manutenção do vínculo após aposentadoria pelo RGPS. Portanto, a superveniência de novo entendimento em princípio não autoriza a desconstituição da decisão anterior, preservando-se a segurança jurídica e a coisa julgada.
Cabimento da ação rescisória: limites e vedação
No âmbito dos Juizados Especiais, a Lei Federal 9.099/1995 veda expressamente o ajuizamento de ação rescisória (art. 59). Mesmo fora desse procedimento, o TJRS tem aplicado a Súmula 343 do STF e o Tema 136 da repercussão geral, segundo os quais não cabe ação rescisória quando a decisão rescindenda se baseou em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, ainda que em matéria constitucional. Ou seja, se a decisão judicial que determinou a reintegração foi proferida em momento de controvérsia jurisprudencial, não é possível rescindi-la apenas porque houve posterior mudança de entendimento.
Recomendações para os municípios
Diante desse cenário, recomenda-se cautela aos gestores municipais ao analisar situações de servidores reintegrados por decisão judicial anterior à mudança de entendimento do STF. A emissão de novo ato de desligamento pode ser considerada ilegal, e a via da ação rescisória, em regra, não se mostra viável. O respeito à coisa julgada e à segurança jurídica deve prevalecer, evitando-se riscos de responsabilização e litígios desnecessários.
Para aprofundar o tema e conferir a mais recente jurisprudência sobre as questões envolvidas convidamos à leitura de estudo publicado pela DPM que detalha os desdobramentos práticos e traz decisões atualizadas sobre o desligamento de servidores aposentados pelo RGPS.
Pause & Perin – Advogados Associados
Direito Público Municipal
OAB/RS 7.512